sábado, 19 de dezembro de 2020

Nós 4 (Julio Vicari, 2020)

    Era apenas nós quatro. Eu, meu irmão e nossos amigos que também eram irmãos. Acho que durante todos os anos que moramos na mesma rua, não houve um dia que não nos encontramos. Na verdade houveram sim, quando saíamos de férias e cada família ia para um lugar diferente. Mas até em um final de semana ou feriado, não me lembro muito bem, fomos para o mesmo lugar.

    Claro que brigávamos. Isso acontece com qualquer um. Mas logo tudo era passado. Pra falar a verdade, todos éramos como irmãos. Tinham dias que só voltávamos pra casa para dormir. Nossa hora, minha e do meu irmão, era nove horas da noite. Se chegássemos depois a bronca, castigo e uns bons tapas aconteciam. Ninguém ficou traumatizado por isso e nem quis matar os pais ou sair atirando em todos da escola com as armas antigas que havia em casa.

    Eram diversas aventuras que ocorriam pelas ruas, no morro atrás de casa, empinando pipas, andando de bicicleta, indo para o clube nadar e depois jogar boliche, futebol na rua, na praça, e escutando música, muita música. Escutávamos uma variedade de estilos musicais. Isso nos trouxe outros amigos que juntaram-se a nós. Com o passar dos anos, “ficamos mais velhos”, e já podíamos ficar até de madrugada tocando violão na frente da igreja, indo em bailes, andando pelas ruas e tocando a campainha das casas e saindo correndo, jogando aqueles morteiros (bombas) na época de São João, em garagens de prédios pois o estrondo era bem maior.

    Éramos nos quatro até que, conforme a natureza humana, tudo muda. Alguns mudaram para pior. Outros para melhor. Outros nunca mais fiquei sabendo o que aconteceu. Cada um de nós quatro seguiu rumos diferentes. Os romances saíram dos sonhos e se tornaram reais. Casamos, separamos, tivemos filhos, já somos avós. De nós quatro, meu irmão morreu. Ficamos nós três que há anos não nos encontramos pessoalmente, só pelas mídias sociais. Pode até parecer besteira, mas não é que essas mídias fazem a gente pensar ou até sentir como se esses anos todos nem foram tão longos assim?

Julio Vicari - Cabeça de fax